Olá, classe!
O tema do meu post de Outubro estava definido há algumas semanas já...e tem a ver diretamente com alguns pequenos abacaxis que eu tenho descascado todos os dias por aqui. Falar sobre a educação das crianças americanas é um negócio meio genérico, e sempre cai no chavão auperiano "ah, as kids são mimadas, têm tudo na hora que querem, bem coisa de americano". Claro que há controvérias, cada família cria os filhos de um jeito, e há quintilhões de famílias nesse país miúdo que é os EUA né.
Mas é fato que esse comentário generalizador é o mais ouvido nas rodas de conversa das au pairs, e eu devo dizer que tenho vivido isso na pele. O meu caso é o seguinte: eu trabalho numa schedule fixa (seg a sex, 8h30 - 5h30), e a minha host trabalha em casa. O meu host trabalha em casa de vez em quando, mas eu só sei que ele está aqui se vejo o carro na driveway. Já a minha host sempre me lembra que está em casa, e é ai que mora o problema: o kid
também lembra que a mãe está em casa.
Como o ponto aqui não é discutir o trabalho da minha host, e sim o trabalho que ela me dá, vou direcionar o assunto para outro ponto: a velha história da au pair com a stay-at-home-mom. Aquela coisa que a maioria das antigas au pairs te falava pra evitar a todo custo, e vc mesmo assim deu de ombros, do alto da sua sabedoria de caloura.
O que acontece muito por aqui é eu estar no playroom com as crianças e a host descer "para ver o que está acontecendo". Se está tudo bem, fica tudo mal quando ela vai embora, e se está tudo mal, fica tudo muito pior. Porque o menino vê a mãe e não entende a cronologia do dia, que diz que só é "mommy time" depoooois do "Mariana time". Pra ele, se a mãe está ali, porque raios ele não pode ficar com ela?
Mais que isso. Eu não acho que a host desconfie do meu trabalho, e ela nunca deu a entender nada parecido com isso. Mas se o menino está chorando, invariavelmente ela desce para o playroom. E considerando que eu não espanco minhas crianças, não as deixo passar fome, nem frio, e o índice de machucados é ínfimo aqui em casa, "quando o menino está chorando" pode ser subentendido como "quando o menino está fazendo manha e/ou birra". Choraminga porque quer o terceiro copo de leite seguido e eu digo que não vou dar, choraminga porque não quer ajudar a guardar os brinquedos, choraminga porque está de mal humor/ cansado/ sem dormir direito.
Como eu reajo a isso? Bem, eu diria que como qualquer pessoa que quer manter a sanidade mental até o final do ano, e mais, como meus pais reagiram comigo e com todos os meus irmãos. Simples, se eu disse que não, eu disse que não, ponto final. Se tem que recolher os brinquedos depois de brincar, então TEM que recolher os brinquedos depois de brincar, fim de papo. Quer chorar? Então senta e chora, não vou impedir.
Como a host reage a isso? Mais, como os outros hosts de que leio e ouço falar reagem a isso?
Eu costumo dizer que americano tem alergia a choro de criança. É proibido criança chorar (!) hahahaha, por isso essa ideia de que eles fazem tudo o que a criança quer.
Mas falando sério agora. Depois de revirar o
Au Pair Mom noites e noites seguidas, eu achei uma pequena resposta para a reação que a gente bem conhece dos hosts. Eu diria que os americanos, em geral, educam seus filhos baseados nos seguintes princípios:
1) Choose your battles.
2) Give a YES to every NO.
O número um seria como que escolher o que você vai exigir da criança, partindo do pressuposto de que você não pode exigir tudo. Você não deveria dar o terceiro copo de leite para a criança, mas pode colocar isso como moeda de troca para que ela vá pra nap time sem reclamar. O que você escolhe, manter firme sua decisão sobre o leite ou uma criança entupida de leite, mas deitada e dormindo?
Há quem vá dizer que no Brasil a criança ainda corria o risco de ficar a semana inteira de castigo sem tomar leite se desse mais um pio sobre o assunto E se não fosse pra cama naquele exato instante. Aqui não. As regras são flexíveis, e esse "responsável" (pai, mãe, au pair, vó, professor) autoritário não existe.
Esse número um me comeu noites de sono, mas me fez mudar minha postura. Veja bem, se a mãe do menino cede quando ele pede miando pra ter alguma coisa, e eu não cedo, pra ele é muito simples: basta chorar um pouquinho mais alto que a mamãe vai vir e dar o que ele quer. Como eu evito que a mamãe apareça e me desautorize/ desmoralize na frente da criança? Simples, eu cedo primeiro. Nem deixo ele miar.
"Ah, mas você vai fazer tudo o que ele quer?" Veja bem, meu bem: eu vou fazer tudo o que os pais dele fazem, exatamente como os pais dele fazem. Eu é que não vou tentar educar um filho que não é meu, pra ele me ver como a vilã da história e complicar o meu trabalho aqui.
O "choose my battles" se resume a decidir que regras são realmente necessárias e aplicadas pelos pais da criança, e que regras são as regras que eu tive quando era criança, que fazem parte da forma como eu fui educada e que eu acho que são melhores pra criança. Todas as regras que se encaixarem na segunda opção estão
banidas. Acreditem, minha vida ficou MUITO mais tranquila, e o coisinho gosta mais de mim agora que eu sou menos chata com ele. "Ah, mas ele vai ficar um nojento, mimado, insuportável". Veja bem, meu bem, de novo: ele só é problema meu durante um ano (:
(Deixo claro que eu tomei essa posição única e exclusivamente porque eu tenho a mãe da criança, que por acaso também é minha patroa, colada no meu cangote 24/7. Se, e somente se, eu ficasse sozinha com o garotinho o dia todo, ai seguir as
minhas regras facilitaria muito mais a
minha vida.)
O número dois é a caracerização do que a gente considera "mimar" a criança. Sabe quando sua mãe respondia "Porque não e pronto!"? Aqui tambééém não existe isso. Todo não vem acompanhado de um sim. Todo não é justificado. Todo adulto
deve uma justificativa de suas decisões para a criança. E as crianças sabem e abusam disso.
Tem desde "você não pode bater em mim, mas pode me explicar porque está bravo" até "você não pode desobedecer a Mariana, mas pode comer esses cookies especiais que a mamãe comprou até se sentir melhor pra poder começar a arrumar os seus brinquedos". Sim, a primeira vez que eu ouvi isso eu entendi de fato o que significa a expressão CHOQUE cultural, e a minha vontade era sentar e chorar de desgosto, porque né...
Resumo da ópera na visão auperiana da
minha situação: pouco importa a educação que os hosts dão para os filhos. Se eles mimam ou não, veja, os filhos não são meus. Por melhores que sejam as minhas intenções e ações, elas não vão funcionar na cabeça de uma criança de três anos se forem diferentes das intenções e ações da mãe. Eu não vim pra cá para me sentir desrespeitada. Muito pelo contrário: pra mim, estar longe das pessoas que eu amo já é difícil o suficiente, sem que eu precise criar mais problemas aqui. Por um ano de Sazunidos mais leve e mais feliz, eu decidi apenas dançar conforme a música.
(:
Mariana J. Guterman