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Photograph - Ed Sheeran
Photograph - Ed Sheeran
Maricota se olhou no espelho e se viu exatamente como há
dois anos atrás. Seu rosto tinha essa expressão quase tranquila que convencia
todos a sua volta de que ela tinha tudo sob controle e que ela estava certa de
sua decisão. Mas em alguns momentos Maricota tinha certeza que um olhar mais
atento veria claramente como ela de fato se sentia.
Não é que ela estivesse pensando em mudar de idéia, não. Ela sabia que era hora
de ir para casa, ela queria ir para casa. Mas ainda sim seu coração doía pensando
no pedacinho dele que ficaria aqui. Maricota se sentia exausta de tentar
acalmar sua mente e tentar se convencer de que tudo ficaria bem. Deprimida de
pensar em adeus após adeus que ela daria em breve.
Não foi fácil decidir vir. Dizer até logo doeu muito. Porque
Maricota sabia o quão incertas são as coisas, sabia que tudo poderia mudar,
sabia que quando voltasse ela poderia não encontrar o que e quem deixou quando
veio. Mas ela também sabia que era provável que quase tudo permanecesse igual.
Havia também a certeza de que mais cedo ou mais tarde ela voltaria para casa.
Maricota não era só feita de asas, ela também tinha raízes. Poucas alegrias se
comparavam a alegria de um almoço de domingo com a sua família.
Mas decidir voltar fosse talvez mais dificil. Porque para
voltar é necessário dizer adeus e não até logo. Dizer adeus a vida que ela
havia construído alí a partir das suas escolhas. Ela tinha todo a
responsabilidade e todo o mérito por cada detalhe dessa vida. Escolha após
escolha ela foi moldando seu novo universo.
Conheceu pessoas de culturas tão extremas a sua. E ao encontrar similaridades
no meio de todo esse constraste, se sentiu encantada e decidiu chamá-los de
amigos. Se viu trabalhando em lugares que nunca havia se imaginado até então.
Aprendeu que não existe trabalho indigno ou trabalho que te faça melhor do que
ninguém, também descobriu que dinheiro suado não é só uma expressão. Estudou
assuntos complicadíssimos que não havia se atrevido a estudar nem em português,
decidiu que era inteligente e capaz. Foi morar com uma família que não era sua,
em um país que não era seu. Mas decidiu abrir seu coração e sua mente para as
possibilidades e para aquelas pessoas. Decidiu amá-las mesmo sabendo que não
seria para sempre. E quando foi chegando a hora de voltar Maricota foi
percebendo que dizer adeus é diferente de dizer até logo.
Porque ela tinha certeza de que a partir do momento que ela dissesse adeus, essa vida nunca mais
existiria.
E por mais que Maricota tivesse consciência desde o começo que essa
vida era uma vida provisória, com data de validade, isso não a impedia de
sentir como se estivesse abandonando as pessoas que ela aprendeu a amar alí e
até mesmo, uma parte de sí mesma que havia crescido ali.
As ruas pelas quais
ela andava todos os dias, o bares que ela frequentava, as pessoas as quais ela
encontrava, as mudanças de estação que ela adorava ver, o pedacinho de gente
que a havia cativado de uma maneira que ela não imaginava ser possível... todos
os aspectos dessa vida seriam daquele momento em diante, memórias.
Tantas memórias de amor, cheias de risos. Memórias de um choro contido, que
doeram e ainda doiam. Memórias das aventuras vividas e dos dias que nunca
terminaram. Memórias de um cheiro e da sensação de um último abraço. Memórias
que construíram mais um capítulo da sua história.
Entre uma lágrima e um riso, Maricota abriu sua caixinha de joias e colocou alí
com todo cuidado todas essas memórias tão preciosas. Ela respirou fundo e então
mais uma vez ela foi.
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