Pessoas que largaram tudo para se aventurar nesse mundão de Au Pair!

25 julho 2020

Como o au pair foi tudo o que eu nunca quis

O au pair não era meu sonho. Os Estados Unidos, tampouco. Mas aos 26 anos, a ponto de concluir um curso de licenciatura que eu não tinha pretensão nenhuma de usar, abandonando a crença cega no sistema formal de ensino neoliberal, já avistando a data limite de um projeto de trabalho, ouvi de Hillel no Pirkei Avot para abafar a faísca de pessimismo que eu carrego a tiracolo desde os oito anos de idade: “se não agora, quando?”


Seguiram-se as entrevistas. Por cerca de 15 skypes, rejeitei e fui rejeitada. De antemão havia estabelecido alguns critérios: não sendo particularmente hábil em oferecer boas primeiras impressões, evitaria ser a primeira au pair; sendo de São Paulo, não me acostumaria à vida de cidade pequena; não queria família brasileira, já que me parecia - e o resultado das últimas eleições o sustenta - que a comunidade tupiniquim abraçada pelo Tio Sam é profundamente conservadora; por fim, em se tratando de conservadorismo, quis riscar da minha lista todos os estados vermelhos, isto é, os de maioria republicana. Foi assim que embarquei em janeiro de 2018 como primeira au pair de uma família de mãe brasileira - e, não mais, nativa da Grande e Justíssima República de Curitiba® - no Texas.


Talvez coubesse aqui descrever Houston como um entrave liberal, com população multi-étnica, comunidade LGBT+ em ebulição, centros de cultura e entretenimento variados, e tudo o que o já quase esvaziado termo “diversidade” demanda. Mas a verdade é que meus dois anos foram em tudo excepcionais, e isso diz muito sobre a natureza ambígua e bastante problemática do programa. Eu, que nunca acreditei na figura paterna fora do universo do trauma, tive um host dad que me ensinou mais pedagogia que dois anos sofridos de licenciatura. As host kids, seis meses depois da minha volta ao Brasil, ainda são as irmãzinhas que eu nunca quis - além de minhas modelos de desenho e aquarela e os contatos para quem eu envio fotos de bichos fofinhos regularmente. O host dog, não o tiro da tela do celular. Quanto à host mom - por acaso vocês têm umas três horinhas para ler a ode que eu escrevi exaltando essa mulher?


Ainda, o au pair nunca foi meu sonho. “E querem que eu acredite que vocês sonham em cuidar da criança dos outros?”, brincou uma vez minha host mom. Como ex-intercambista e imigrante, suspeito que ela compreenda e partilhe desse nosso impulso pela busca por uma experiência nova, sem paralelos. Para mim, esse é um impulso que beira o vital, e o oceano de afetos de todas as ordens em que o programa de au pair nos submerge foi, para essa “au pair velha” (palavras da minha LCC), um catalisador do anseio em explorar novas perspectivas e novas miradas. E eu nunca quis uma família. Sequer acredito em famílias. Mas que elas existem, existem.


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Marian Gabani

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Um comentário:

  1. Marian, você deveria escrever um livro! Já virou a minha autora preferida aqui do Blog!

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